Toda orquestra genial tem seu maestro, a estrela que rege a sinfonia. Mas para que a música seja perfeita, ela precisa de um ritmo constante, de um coração que pulsa e conecta todos os instrumentos. No time mágico do Flamengo dos anos 80, se Zico era o maestro, Adílio era esse coração. Apelidado de "Neguinho Bom de Bola" pelo lendário locutor Waldir Amaral, o camisa 8 era muito mais que um coadjuvante de luxo; jogava demais, driblava fácil, e tinha uma categoria gigante, a engrenagem que fazia a máquina rubro-negra funcionar com uma fluidez artística, com alegria, era Mengão de coração. Esta é a história de Adílio, o craque silencioso que, com sua elegância, habilidade e um gol eterno, ajudou a colocar o Flamengo no topo do mundo.
3 a 0: O Dia em que o Flamengo Ensinou o Liverpool a Jogar Bola
Cria da Gávea, Craque do Brasil
Adílio de Oliveira Gonçalves é um autêntico "Cria da Gávea". Nascido e criado no Rio de Janeiro, ele chegou ao Flamengo ainda garoto, quem é da época, lembra que ele pulava o muro para poder entrar, sorte a nossa, percorreu todas as categorias de base. Seu talento era inegável: um meio-campista de passadas largas, drible curto desconcertante e uma visão de jogo privilegiada. Adílio parecia flutuar em campo, com uma classe que o diferenciava.
Seu apelido, "Neguinho Bom de Bola", capturava perfeitamente sua essência. Não havia maldade ou preconceito, mas sim o puro carinho da torcida e da imprensa por um jogador que tratava a bola com uma intimidade ímpar. Ele era o elo perfeito entre a defesa e o ataque, o jogador que pura arte com a muita categoria capacidade de decisão.
A Engrenagem Perfeita do Meio-Campo de Ouro
O sucesso da inesquecível Geração de 80 pode ser explicado, em grande parte, pela química de seu meio-campo. Era um trio que se completava com perfeição telepática:
Andrade: O "carregador de piano", não precisava fazer tanta força, sua categoria fazia com que a bola estivesse a maior parte do tempo conosco, e quem está com a bola é pouco atacado.
Zico: O gênio, o cérebro, o finalizador, o rei.
Adílio: A habilidade. Era ele quem fazia a transição, a alegria de vê-lo jogar era muito grande, ele era quem quebrava as linhas adversárias, como se fala hoje, com seus dribles e tabelas. A facilidade com que travava a bola era impressionante, o que lhe permitia driblar, chutar, tocar a bola e construir jogadas "sem fazer força", contruindo e atacando com a mesma qualidade durante os 90 minutos, era gênio.
A parceria com Zico era especialmente notável. Adílio não apenas criava jogadas com o Rei, mas seus movimentos constantes e inteligentes abriam os espaços na defesa adversária que Zico, com sua genialidade, explorava como ninguém. Ele foi peça-chave em todas as grandes conquistas: os Brasileiros de 1980, 1982, 1983 e 1987, a Libertadores de 1981 e, claro, o Mundial.
O Gol que Coroou um Rei em Tóquio
Se um único momento pudesse definir a importância de Adílio, seria aos 41 minutos do primeiro tempo da final do Mundial Interclubes de 1981, em Tóquio. O Flamengo já vencia o Liverpool por 2 a 0, mas o golpe de misericórdia veio dos pés do camisa 8.
Em uma jogada que simboliza seu estilo, Adílio iniciou o lance no meio-campo, avançou, tabelou com Zico e, ao receber a devolução perfeita, invadiu a área. Com uma frieza de centroavante e a classe que lhe era peculiar, ele tocou com categoria na saída do goleiro Bruce Grobbelaar. Era o terceiro gol, o gol que selava o destino da partida e garantia o título mais importante da história do clube. Naquele instante, o "Neguinho Bom de Bola" se eternizava como herói mundial.
Um Legado de Lealdade, nunca aceitou jogar contra o Flamengo
Adílio defendeu o Manto Sagrado por 12 anos, entre 1975 e 1987. Com 617 jogos, ele é o terceiro jogador que mais vestiu a camisa do Flamengo em todos os tempos, um feito que demonstra sua regularidade, importância e lealdade.
Seu legado é o do herói essencial. Ele não buscava os holofotes, mas seu brilho era indispensável para que a constelação de 80 pudesse reluzir com força total. Adílio representa o DNA da Gávea: o talento que brota em casa, a inteligência para servir ao coletivo e a classe para decidir quando preciso. Ele é a prova de que, para ser um gigante na história, não é preciso gritar; basta jogar, e Adílio jogava como poucos.